“Mas se a gente tiver a possibilidade de contar mais uma história, a gente adia o fim do mundo”.  Ailton Krenak

aluna: Valéria Rousseau
projeto: De mircrovestígios `a paisgem: uma restauração
formato: filme


“O ponto de partida é clássico: tem que existir um mundo outro, um além. Nosso trabalho é inventá-lo, criar as provas de sua existência. A única maneira de produzir matéria real é inventá-la.” Pierre Huyghe

Esse texto está em fragmentos. É um espelho da narrativa que construo e da nossa própria memória. Por ora, os fragmentos de palavras são:

_reflexões sobre entrevistas com Pierre Huyghe (artista referencial para a minha pesquisa)

_pensamentos sobre as imagens que venho pesquisando do Jardim das Princesas no Palácio de São Cristóvão, hoje Museu Nacional.

O filme se apresenta como um arqueossistema que trabalha nos frágeis limites entre o real e o imaginário, numa reflexão sobre o tempo não-linear, para além das ideias de passado e futuro. Local de excessos e “ficções”.

Cada imagem é um relato. Cada imagem apresenta uma paisagem infinita de múltiplos tempos e camadas de memórias, agora em escavação. Nesse sistema, me interessa a singularidade dos elementos visuais que serão dispostos e suas interrelações, não para simples exposição, crítica ou constatação do que se vê, mas para provocar transformações mútuas e criar uma subjetividade coletiva em uma situação “ficcional”.

A porosidade como característica do trabalho permite que as imagens da arquitetura e paisagem do Jardim das Princesas se relacionem com as questões ligadas `a própria instituição que se define como espaço de memória nacional e natural.

Nesse trabalho, a representação é o ponto de partida para reenquadrar um ‘outro’ possível real.

Pensamento soltos capturados em entrevistas com Pierre Huyghe (referencial 1) com as minhas reflexões :

1_O projeto está em constante movimento, uma ficção em andamento. Não tenho interesse numa relação frontal entre sujeito e sujeito (‘objeto’) na qual se tem uma imagem de tudo ao mesmo tempo, onde captura-se a totalidade das coisas, mas sim numa operação de desenquadramento da maneira como vemos, como conhecemos. Ou de um movimento de reenquadrar. À medida que se navega em um local de incertezas, de possibilidades, o significado de algo pode ser construído, também a partir das subjetividade  do sujeito-participante.

2_Um mundo traduz, movimenta, deteriora, adultera, modifica o outro.

3_Trabalhos com certa porosidade, que suscitam diferentes formas de inteligência em suas leituras, que autorizam penetrações e que se modificam a partir de outras leituras, que tenham capacidade infinita de mudança, que sejam entidades vivas. Entidade: aquilo que constitui a existência de algo real; essência.

4_Provocar situações estranhas de sincronicidade; escapar da condição de conhecimento que conhecimento que estou apegada; exercício de alteridade.

5_Semiótica das imagens.

6_Borrar as fronteiras entre fato e ficção e inserir / incorporar criaturas vivas.

7_Lugares de memória: 

_a concha
_o fogo
_a morte


Lugar de memória 1: conchas
No cimento molhado, conchas brasileiras e vestígios do além-mar foram incrustados nos bancos e tronos do Jardim das Princesas utilizando a técnica italiana renascentista conhecida como embrechamento, atividade artística executada pela imperatriz Teresa Cristina e suas filhas. Cada elemento definido como ‘ornamento’ contém em si a memória de um espaço-tempo e incrustados, constituem uma paisagem outra, ordenada, que instaura o tempo neoclássico numa sociedade ameríndia. As ruínas de um tempo histórico que cá separou natureza e cultura. As subjetividades das conchas, dos não-humanos. Das praias ou sambaquis, de que sociedades vieram? Ceramista ou da guerra? Nessa paisagem, as conchas preenchem os vazios entre as louças européias. Criam um ‘fundo’ onde ‘o distante’ protagoniza a cena e impõe a sua imagem.

Gestos artificiais de feitura dos sambaquis.

Gestos artificiais de ordenação da paisagem neoclássica.

Ruínas, patrimônio, natureza, arte, cultura, memória.